terça-feira, 16 de outubro de 2007

Um só Brasil e muitas Índias e Espanhas

Eu acho que os brasileiros não têm idéia do privilégio que é nascer em um país tão grande e tão “uniforme”. Para um espanhol, um belga ou um indiano deve ser impossível conceber a idéia de um país esse tamanho com apenas um idioma e sem conflitos religiosos ou tentativas sérias de independência de alguma região.

Falo isso porque vivo na Espanha, ou melhor, na Catalunya, e sei como o conceito de nação simplesmente não existe por lá. Se você pergunta a um “espanhol” de onde ele é, a resposta nunca será objetivamente “Espanha”. Ele vai dizer: sou catalão, sou basco, sou galego, sou andaluz, mas nunca espanhol. Ao contrário, quando se pergunta a um carioca, paulistano, capixaba, mineiro, potiguar de onde ele é, a resposta será: do Brasil, sou brasileiro.

Na Bélgica eles enfrentam um grave problema com a tentativa de independência da região de Flandres e a “Bélgica¨ pode simplesmente deixar de existir como país num futuro próximo. Há vários outros exemplos na Europa. E aqui na Índia, um país tão grande como o Brasil, eles falam mais de 100 idiomas e dialetos diferentes. Não estou falando de diferenças culturais não, que são sempre bem-vindas, mas de diferenças que, para eles, são irreconciliáveis, como a religião.

Antes de vir pra cá, li pra caramba sobre o hinduísmo, e acabei vindo morar num bairro muçulmano, estudando numa universidade muçulmana e não tendo nenhum contato com os hindus – ironia das ironias. Todas aquelas coisas que li e vi em filmes sobre os hábitos, a adoração à vaca e outros animais, comida vegetariana, tradições, templos, casamentos, tudo isso não faz parte da minha realidade aqui.

Estou escrevendo isso para contar a experiência de um amigo, Monis, e da americana Olga que conheci ontem. Monis tem 21 anos, estudou História e faz um Master em Jornalismo. Ele se auto-define como um muçulmano “híbrido”, o que significa um muçulmano “moderno”, que questiona algumas regras que não está de acordo. Ele não usa aquela gorra branca, não tem barba ou veste aquelas túnicas todos os dias. No entanto, sente muito orgulho da sua identidade, reza as 5 vezes por dia, jejuou durante o Ramadan e lê o Alcorão diariamente. A parte moderna dele e da família é que eles não se importam em lidar com pessoas de outras religiões, por exemplo, me receberam na casa deles super bem, mesmo sabendo que eu sou católica (?!).

Mas nunca tinha estado com ele fora de Jamia e, no último fim-de-semana, fomos com uns amigos a um centro comercial fora do reduto muçulmano. O cara simplesmente pirou! Ele se sentiu super mal lá, como se todos estivessem olhando pra ele, meio com mania de perseguição. Ninguém estava olhando pra ele e é impossível adivinhar que é muçulmano ao olhar pra ele apenas, porque nem a marca na testa de tanto rezar e encostar o rosto no chão ele tem.

Daí eu comecei a achar que ele não é tão “aberto” e moderno como fala. O desconforto dele é um exemplo claríssimo de porque a tensão entre muçulmanos e hindus não vai ter fim: mesmo que não seja declarada, ela existe e nasce com a pessoa; além disso, a aceitação é nula, o outro é e sempre será um “outsider”. Com certeza, ele não odeia ninguém, é pacífico e do bem, mas não lida bem com a diferença, não se sente bem fora de seus domínios. E imagino que do outro lado aconteça a mesma coisa. Pra piorar tudo, ao voltar pra casa, não conseguíamos nenhum Oto ou táxi porque os motoristas diziam que não entravam em Jamia à noite. Aí foi a desculpa que ele precisava para se sentir realmente perseguido!

Já a Olga é filha de japonesa com iraniano e também é muçulmana, mas não pratica a religião. Ela não reza, não freqüenta mesquitas e não jejua. No entanto, tem sobrenome muçulmano, o que sempre dificulta sua entrada nos EUA, sendo que ela nasceu lá e é cidadã americana! Olga se casou no ano passado com Ajay, um canadense filho de indianos, que é hinduísta. Um casamento como este é mais que incomum entre os indianos. Eles sempre esperam que os filhos se casem com alguém da mesma religião – e se for da mesma região, ainda melhor.

Olga e Ajay se casaram no civil em Nova York, como qualquer casal “normal”. E se casaram depois no Canadá seguindo as tradições hinduístas. Ela enfrentou preconceito até para comprar as roupas para a cerimônia, porque a indiana dona da loja em Nova York considerava uma traição vender um vestido de casamento hinduísta a uma muçulmana...

Tá vendo como a nossa vida é “fácil” sem esses conflitos étnicos / religiosos? Todos esses “problemas” são parte do dia-a-dia deles. Religião, política, preconceito, terrorismo, direitos humanos, etc são temas de conversa de qualquer jovem aqui, que são muito mais politizados e conscientes que os jovens ocidentais. Mesmo para uma cabeça aberta e desprovida de preconceito como a minha, é difícil entender certas coisas, como a liberdade e o amor estarem condicionados à fé cega...

Não acredito que exista um povo mais pacífico no mundo que o brasileiro. Pacífico demais pro meu gosto, meio bobo até, mas hoje só quero elogiar este denominador comum entre a gente: um certo orgulho por ter nascido nessa zona gostosa que é o Brasil!

PS: 1) A foto é de mais uma comida de rua para atiçar a curiosidade do meu marido, que continua dizendo que vai comer tudo isso – o que vai durar apenas até a primeira diarréia! :)





2) Marina, o email 'e helenafurtado@hotmail.com. Manda ver! Beijos.

4 comentários:

Anônimo disse...

OI!! AMOR sabes que la India tambien tiene quema de "fallas"como las de Valencia; hoy salio publicado el el diario QUÉ! de Barcelona los siguiente, te cito de forma textual lo que pone el articulo.
"Artitas indiano pintaron ayer varias representaciones del rey diablo Ravana, durante los preparativos para el festival Dussehra, en Jammu, la capital invernal de Cachemira. los muñecos se quemarán durante el festival hindú, que conmemora el triunfo del dios Ram contra Ravana, marcando la victoria del bien sobre el mal.
bueno y dice mas cosas que despues te las escribo por que no tengo tiempo ahora. un besote..

Daniel Leite disse...

Oi Helena, aqui é o Zum. Encontrei com o Pedro esse final de semana que passou e ele comentou que você estava ai na Índia, e também escrevendo este blog. Achei bem legal e lendo dá para imaginar bem o que deve ser estar aí.
Queria também aproveitar para te mandar um abração.
A gente se encontra no batizado do teu afilhado Mateus, e que é meu primo também e tá gatão...rs.(Vai arrasar com as gatinhas).
Vou começar a acompanhar seu blog.
Grande abraço.

Anônimo disse...

Oi lindona que saudade!! eu gostaria muito de dar uma passagem de ida a India pra todos esses babacas que passam a vida sentando falando mal do Brasil sem se mover! Pode parecer hipocresia da minha parte por nao estar lá mas acredito nele e amo e se nao estou é por coisas do destino. Tudo vai super bem no Ebano, tenho os dedinhos queimados!! Mas sempre um elogio pra alegrar. Beijos lindona

Anônimo disse...

Oi!!

Posso discordar de você um pouquinho...rsrs! Talvez por estar aqui agora...nao acho o brasileiro um povo tao pacífico assim nao...já ouviu falar do novo filme que virou "mania nacional"...o "Tropa de Elite"? Cara...a guerra aqui nao é religiao...mas que existem muuuitos problemas socias nao é preciso te dizer! Num âmbito mais global eu até concordo ;)

Saudadeee! Beijos